sexta-feira, 23 de outubro de 2015

De paciente à acompanhante: Como (também) sobreviver?

Eu sei, talvez só título já assuste um pouquinho...

Existem alguns processos dentro do universo oncológico que considero importantes e que gostaria de menciona-los por aqui, se me permitem: O primeiro é a sensação de ser um paciente, que é como um passeio constante em uma grande montanha russa emocional e isso vocês já sabem, já que escrevo por aqui semanalmente toda essa saga interna repleta de altos e baixos. Depois – e definitivamente não menos importante - vem a dualidade de forças quando você também se descobre um acompanhante nessa jornada.

Uma grande amiga de diagnóstico sugeriu no facebook que escrevesse sobre isso. Sua sogra faleceu recentemente, diagnosticada com o mesmo tipo de câncer que ela. É um tema delicado, mas confesso que me sinto segura para escreve-lo, já que dois anos depois do recebimento do meu diagnóstico descobrimos que minha mãe também entraria para as estatísticas e considerando que também já “perdi” algumas amigas que conviviam dentro dessa mesma rotina. O câncer da minha mãe, graças a detecção precoce, foi bem menos invasivo que o meu, com exceção a algumas cirurgias e aspectos emocionais que considero mais agressivos (ela retirou as duas mamas, útero, ovários e trompas).

Parece meio absurdo, mas tentarei explicar porque acredito que ser paciente, nessas horas, é uma situação um tanto quanto mais “segura”. Quando minha ficha caiu e realmente vi que minha mãe me faria companhia, minha primeira reação foi a de achar que tudo o que havia vivido - e principalmente sentido e agradecido - era na verdade uma grande mentira vivida e alimentada dentro da minha cabeça. Quando se é um paciente, a gente sabe que na verdade não existe outro caminho a percorrer que não seja o da sobrevivência. É por esse motivo que não me sinto nada heroína ou guerreira: Eu não tive escolha.... Era lutar ou morrer.

Mas ser acompanhante é diferente, totalmente diferente! Conviver com alguém diagnosticado lhe trás junto ao "pacote" uma das maiores sensações de impotência do mundo. Ainda mais no "combo": paciente + acompanhante. Esse é de tirar o fôlego! Você reconhece algumas dores e cicatrizes, por vezes chora o mesmo choro, se vê sentindo os mesmos medos e mesmo assim não consegue oferecer nada muito além da sua companhia e – poucas vezes - testemunho. Aí é que coisa meio que complica.

Quando se é acompanhante, a gente não sabe muito bem como prosseguir: Independe da gente.
Hoje, apenas um pouco mais amadurecida com essa ideia, abro meu coração e conto que quando soubemos que minha mãe também tinha câncer, eu (com toda minha curta bagagem cirúrgica, quimioterápica e radioterápica) não consegui inicialmente encara-la. Não sabia o que lhe dizer, o que sentir, como proceder... E enquanto me deparava com todas aquelas sensações e medos, fui naquele mesmo instante sentindo nossas historias se fundirem lenta, profunda e completamente, junto a cada palavra dita, cada sensação e reação.

O tempo ajudou? Sim, mas as vezes até hoje, quando a vejo sofrendo, preciso dos meus momentos de introspecção para realmente aceitar que algumas situações aqui na Terra não precisam de uma explicação concreta, além desse reconhecimento de aproveitarmos cada nova oportunidade de testarmos a nossa fé dentro da mais profunda situação abalável.

A verdade de um acompanhante? Ele sente muito medo! Eu tive medo pela minha mãe. Medo de não vê-la no meu casamento, de não cumprirmos juntas a nossa promessa de plantarmos uma pequena mangueira que futuramente serviria de balanço para seus também futuros netos no sitio. Tive medo de nunca mais conseguir olhar aquele sorriso com dentes tão milimetricamente certinhos, de esquecer com o tempo o calor que só o colo dela tem. Medo de perdê-la para o diagnostico, medo de também me enxergar dentro daquele diagnostico.

Peço desculpas às minhas companheiras de jornada, mas sinto que também preciso falar sobre isso. Muitas vezes, quando perdemos uma amiga, sentimos inicialmente a dor da saudade, mas depois nos deparamos com um dos sentimentos mais naturais desse mundo: O de sentir um enorme frio na barriga pelo assombro do câncer ao se deparar perguntando “O que realmente acontecerá com a minha vida?”.

Conversas duras a parte, reconhecer o medo da morte também nos mostra o valor contido dentro da existência de cada segundo vivido.  Um dia, inevitalmente, iremos embora. Que a gente saiba reconhecer através dos nossos medos uma nova e diária oportunidade de renascimento. E isso, exatamente isso, nos coloca em mesmo patamar entre o universo dos pacientes e dos acompanhantes.

Stelinha, esse texto é pra você. Continue forte.

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